naturalidade
São João da Boa Vista (SP)
fontes
Marcondes, Marcos A. (org) - Enciclopédia da Música Brasileira (2ª ed., 1998).
Medeiros, L., Sampaio, J.L. - Guiomar Novaes do Brasil - A trajetória da pianista em NY (2011)
Orsini, Maria Stella - Guiomar Novaes - Uma arrebatadora história de amor (1992)
Atualizado em 25.04.2018
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Guiomar Novaes

N. 28 de Fevereiro de 1894
F. 7 de Março de 1979
Por André Pédico e Alexandre Dias

Nasceu em 28 de fevereiro de 1894, em São João da Boa Vista, estado de São Paulo. Aos quatro anos, em Campinas (SP), começou a tocar piano, incentivada pela mãe e reproduzindo o que as irmãs mais velhas tocavam. Em seguida, passou a apresentar-se nas festas do jardim de infância onde estudava. Aprendeu a ler as notas musicais com menos de sete anos, tornando-se aluna de Eugênio Nogueira. Ainda criança, compôs uma valsinha, intitulada Jardim de infância, cuja partitura foi publicada na revista O Malho em 1903. Nessa época, morando com a família em São Paulo, era vizinha do escritor Monteiro Lobato (1882-1948), e seu perfil serviu de inspiração para a criação da personagem Narizinho, do Sítio do Picapau Amarelo.

Aos sete anos, tocou para o mestre italiano Luigi Chiaffarelli (1856-1923), que passou a lhe ensinar música, juntamente com suas assistentes Maria Edul Tapajós e Antonietta Rudge (1885-1974). Entre 1902 e 1909, Guiomar Novaes apresentou-se nas audições promovidas por Chiaffarelli no Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, onde era professor, e logo começou a receber a admiração da crítica e do público. No mesmo período, ainda muito jovem, tornou-se organista da igreja de Santa Cecília, no centro de São Paulo. Em 1908, fez sua primeira apresentação como profissional no Rio de Janeiro, executando a Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro, de Louis Moreau Gottschalk (1829-1869).

Ainda em 1908, recebeu uma bolsa para estudar no exterior, fornecida pelo governo do estado de São Paulo. Na época, foi recomendada por Chiaffarelli a lsidor Philipp (1863-1958), importante professor de piano do Conservatório de Paris, França. Em 13 de novembro de 1909, chegou a Paris e se inscreveu para participar do concurso de admissão ao Conservatório. Foi aprovada em primeiro lugar, dentre 388 candidatos para 11 vagas, das quais somente duas reservadas a estrangeiros. O júri era composto por grandes compositores como Claude Debussy (1862-1918), Gabriel Fauré (1845-1924) e Moritz Moszkowski (1854-1925). Nos exames, a pianista de 15 anos interpretou o Prelúdio e Fuga No.3 em Dó sustenido maior do Livro I do Cravo bem Temperado, de Bach, o Estudo No.4, em Mi maior, de Paganini/Liszt, a Balada No.3 Op.47, em Lá Bemol maior, de Chopin e parte do Carnaval, de Schumann. Quebrando o protocolo do conservatório, Claude Debussy pediu que Guiomar repetisse sua interpretação da Balada No.3 no segundo exame. Depois, 25 de novembro de 1909, Debussy escreveu a André Caplet: "Eu estava voltado para o aperfeiçoamento da raça pianística na França...; a ironia habitual do destino quis que o candidato artisticamente mais dotado fosse uma jovem brasileira de treze anos. Ela não é bela, mas tem os olhos 'ébrios da música' e aquele poder de isolar-se de tudo que a cerca - faculdade raríssima - que é a marca bem característica do artista".

Durante dois anos, foi aluna de lsidor Philipp, e, antes de concluir o curso, realizou um recital na sala Érard. Formou-se em primeiro lugar, obtendo o Grand Prix, e, no ano seguinte, fez sua primeira apresentação oficial em Paris, nos concertos Colonne, tocando com a orquestra Châtelet sob regência de Gabriel Pierné (1863-1937). Logo depois, realizou uma série de concertos na Europa, apresentando-se em prestigiosos palcos na Inglaterra (como o Queen's Hall, de Londres, tocando o Concerto No.20 em ré menor, de Mozart, sob regência de Henry J. Wood), Suíça, Itália e Alemanha, onde recebeu intensa aclamação da crítica. Em 1913, foi à Suíça, onde visitou o conservatório de Lausanne e realizou vários concertos em Berna e Genebra, sob a direção de Bernhard Stavenhagen (1862-1914).

Em 1914, voltou ao Brasil e realizou exibições no Rio de Janeiro. Em 1915, devido à ocorrência da Primeira Guerra Mundial, cancelou seus compromissos na Europa, e viajou aos Estados Unidos, onde estreou no Aeolian Hall, de Nova York, com grande êxito. Tal apresentação marcou o início de uma carreira imensamente bem sucedida naquele país, para onde, nas seis décadas seguintes, a pianista frequentemente retornaria para recitais e concertos.

Em 1922, participou da Semana de Arte Moderna, apresentando-se no Theatro Municipal de São Paulo, onde interpretou as obras Au jardin du vieux serail, da Suíte andrinople, de E. R. Blanchet; O ginete do pierrozinho, da coletânea Carnaval das crianças, de Villa-Lobos; La Soirée dans grenade, das Estampes, de Debussy; e Minstrels, do Livro I dos Prelúdios, de Debussy. Por insistência da plateia, executou ainda L’Arlequin, de Vallon. Neste mesmo ano, casou-se com o arquiteto e compositor Octávio Pinto (1890-1950). Em 1925, voltou a apresentar-se na Europa, com grande sucesso.

Em 1931, duas obras foram dedicadas a ela por dois dos maiores compositores brasileiros: os 6 Estudos transcendentais, de Francisco Mignone, e o Concerto No.1 para piano e orquestra, de Camargo Guarnieri. Ainda na década de 1930, Guarnieri também lhe dedicaria o Ponteio No.9 e a Toccata, esta última gravada por Guiomar em 1947 para Columbia.

Em 1939, foi condecorada pelo governo francês com a Legião de Honra, e, em 1951, foi escolhida para ser a solista nos eventos que marcaram o concerto No. 5.000 da Orquestra Filarmônica de Nova York, interpretando no Carnegie Hall o Concerto No.9, de Mozart, e o Concerto No.2, de Chopin. 

Em 30 de agosto de 1955, por decreto do Presidente da República, Café Filho (1899-1970), foi agraciada com a Ordem Nacional do Mérito, juntamente com Heitor Villa-Lobos e Ary Barroso. Foram distinguidos aqueles artistas que deram um sentido de universalidade à música brasileira, projetando-a no exterior.

Em 17 de setembro de 1956, durante as comemorações do centenário de Chiaffarelli, apresentou-se juntamente com Antonietta Rudge e Souza Lima (1898-1982), ambos ex-alunos do mestre italiano, interpretando dois concertos para três pianos, de Mozart e Johann Sebastian Bach, no Theatro Municipal de São Paulo, sob regência de Edoardo de Guarnieri. O mesmo programa foi repetido em 29 de maio de 1959, no cinquentenário do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. 

Em 1962, recebeu o título de cidadã honorária do Rio de Janeiro, e em 10 de dezembro de 1963 representou a América Latina nas comemorações do 15º aniversário da Declaração dos Direitos Humanos, na Organização das Nações Unidas. Em 1965, foi escolhida pelo Le Monde, como uma das dez melhores concertistas de todos os tempos, e, em 1967, realizou um recital histórico na inauguração do Queen Elizabeth Hall, em Londres, sendo ovacionada durante quinze minutos ininterruptos por onze mil pessoas que exigiram quatro bis ao final. Em 1969, recebeu a Ordem do Rio Branco.

Sua última apresentação pública ocorreu em 15 de julho de 1973, no Festival Internacional de Música de Campos do Jordão. Em 1977, foi criada, na cidade natal da pianista, a Semana Guiomar Novaes, importante evento cultural que ocorre, anualmente, até hoje. 

Guiomar Novaes faleceu em 7 de março de 1979, em São Paulo. Seu velório foi na Academia Paulista de Letras. Foi enterrada no Cemitério da Consolação, ao som da Marcha Fúnebre da Sinfonia No.3 ‘Eroica’, de Beethoven, executada pela OSESP sob regência de Eleazar de Carvalho. Em abril do mesmo ano, o auditório da Funarte, em São Paulo, passou a ser chamado de Sala Guiomar Novaes.

Algumas das obras dedicadas à pianista são: Feux-follets (Pastel Op.24 Op. No.3) e Estudo de concerto em notas duplas Op.56 No.1, de Isidor Philipp; Les Matins du Bosphore (5ª peça de "Turquie"), de Emile-Robert Blanchet; 6 Estudos transcendentais, de Francisco Mignone; Prelúdio No.3, e Serenata espanhola, de Fructuoso Vianna; Concerto No.1 para piano e orquestra, Ponteio No.9, e Toccata, de Camargo Guarnieri; Rapsódia brasileira No.2, de Luiz Levy; Estudo transcendental No.10 'Idílio" (Op.3 No.4), de Lourdes França; Prelúdio e Fuga No.1 em sol menor, de Silvio Motto; Bizzarria (No.2 das Sugestões para piano de Francisco Casabona), Festa do Santo Rei, de Dinorah de Carvalho, e Redemoinho, de Barrozo Netto.

Sua extensa discografia compreende um período de 60 anos de gravações (1919-1979), realizadas pelas companhias RCA Victor, Duo Art (rolos de piano), Columbia, Vox, London, Vanguard e Fermata. Entre o repertório destas gravações, destacam-se, pela RCA Victor e Duo Art, séries de peças brilhantes e curtas, gravadas no início de sua carreira; pela Vox, concertos de Chopin, Beethoven, Mozart, Schumann e Grieg, e, entre as peças solo, a integral dos Estudos, Noturnos, Prelúdios e Valsas de Chopin, além de discos dedicados a Beethoven, Schumann, Mendelssohn, Liszt e Debussy; pela Fermata, gravou seu último disco, com uma série de obras de compositores brasileiros, incluindo Francisco Mignone, Marlos Nobre, Souza Lima, Camargo Guarnieri e Villa-Lobos.