Entrevista com a pianista Maria Teresa Madeira (parte 2)

Na segunda parte da entrevista, realizada no Clube do Choro de Brasília em dia 30 de março de 2016, a pianista Maria Teresa Madeira falou em mais detalhes sobre a gravação histórica que realizou da obra integral de Ernesto Nazareth, e também sobre sua admiração por Carolina Cardoso de Menezes, como foi filmar para a minissérie da Chiquinha Gonzaga em 1999, e o que gostaria de gravar no futuro.

Alexandre Dias - Nós estávamos falando sobre sua gravação da obra completa de Ernesto Nazareth. Uma das últimas perguntas que lhe fiz na primeira parte desta entrevista foi o que você mais gostou de gravar, e você mencionou as valsas.

Maria Teresa Madeira - Que eram as mais surpreendentes.

AD - Houve outras surpresas? Por exemplo, você entrou em contato com outros gêneros do Nazareth, como os fox-trots, que são pouco tocados, e também as peças mais eruditas - você passou pela Polonesa, pelo Capricho...

MTM - Mágoas. Mágoas achei linda. 

AD - É uma obra prima, em sol sustenido menor.

MTM - O Notuno também.

AD - E, para você, a imagem do Nazareth mudou alguma coisa? Você já conhecia muito do Nazareth, mas ainda assim provavelmente só deveria ter tocado um quarto ou um terço da obra dele.

MTM - Por aí, acho que nem um terço.

AD - Talvez não tivesse chegado a 100 peças.

MTM - Não.

AD - E depois você abriu os horizontes, aprendendo toda sua obra. Você passou pelo Nazareth da juventude, e depois pelo Nazareth da maturidade. Você sentiu alguma evolução na obra do Nazareth? Das primeiras polcas ainda no século XIX, até os tangos do século XX, tem alguma coisa que você percebeu ou que você achou de novidade nesta trajetória?

MTM - Olha, eu percebi várias coisas, por exemplo, a questão do refinamento da construção harmônica. Eu acho que que há um refinamento principalmente nos cromatismos, nas surpresas de tonalidade. Ele faz quase que um estudo sobre como se fazer certas progressões harmônicas. Às vezes ele repete a mesma progressão em lugares diferentes, só que ele trata de um jeito tão surpreendente, que a gente não percebe que está repetindo aquela.

AD – Mesma sequência de acordes, mas a melodia, os baixos, o ritmo, formam outra coisa.

MTM - Exatamente. E outra coisa que achei interessante que ele às vezes faz é estender um pouquinho harmonicamente a surpresa, segurando mais para chegar à resolução. No primeiro CD, que são as obras da juventude, você vê a quantidade de polcas que ele escreveu.

AD - Ainda não tinha tangos.

MTM - Exatamente. Ele concentrou aquelas polcas, que eram diferentes entre si, bem diferentes até. No trato rítmico, você pode ver que elas não tinham um tempo de polca característico quadrado. Ele já começava a apresentar uns “abrasileiramentos”. Depois a gente vai vendo o enxerto do tango, e a forma do tango também ele começa a fazer um pouco mais livre, apesar de ele às vezes repetir.

AD - Começam a ter quatro partes.

MTM - É, e muitas vezes tem uma ponte que leva o B para o C direto, ou uma ponte para o A.

AD - As partes com baixo pedal são geniais.

MTM - Isso, muito bom. Ele vai ficando mais arrojado para se libertar da própria forma que ele estabeleceu.

AD - Embora o rondó sempre esteja presente.

MTM - Exatamente, sempre voltando. E o que eu acho que foi difícil nessa questão, inclusive na forma das valsas, são essas repetições que ele coloca, tornando a repetição idêntica das partes.

AD - Ele permite que o intérprete faça uma nova interpretação.

MTM - É, isso aí deu trabalho para pensar em fazer uma coisa interessante. "Por que que ele quer que repita?" - porque tem algum elemento ali que pode ser exaltado de uma forma mais contundente, que pode ser enfatizado.

AD - Você acha então que as repetições são uma oportunidade para intérprete evidenciar novos caminhos, novas mensagens.

MTM - Sim, inclusive muitas vezes existe uma polifonia que não é muito latente, e que na repetição você tem a oportunidade de mostrar, sem brigar com tema principal.

AD - Às vezes há uma melodia secundária, ou no baixo.

MTM - Exatamente, que você pode trazer o ouvido para aquele detalhe ali. Porque, se você apresenta de uma vez só, é óbvio que todas elas são melodicamente geniais. Então você puxa pelo lado da melodia. As valsas também na maioria são lentas, então fica aquela valsa “modinhesca”, vamos dizer assim. Só que quando você repete, você vê que tem às vezes um violão ali contornando as frases, contraponteando os temas...

AD -  Ele oferece material para você se apoiar em outros pontos.

MTM - Sim, e isso foi um aprendizado.

AD - Isso é o que diferencia muito o Nazareth dos outros compositores da época, não é?

MTM - Muito, porque ele é de uma riqueza inesgotável.

AD - E você acha que ele pegou isso, como dizem, de Chopin, e outros compositores europeus?

MTM - Eu acho que ele pegou de Chopin e de Schubert também. O Improviso tem um Schubert, Corbeille de fleurs tem um pouco de Schubert também. E em Mágoas, eu acho que tem coisas de Brahms ali, que ele também usa.

AD - Muito bom, não se costuma comparar Nazareth a Brahms.

MTM - Falo isso por conta daqueles acordes arrojados. O trabalho nas repetições idênticas das valsas me ajudou muito a trabalhar as peças mais eruditas dele.

AD - Que já são mais ambientadas nesse universo.

MTM - Isso. A ordem com que eu fui gravando as coisas, eu comecei a pegar por coisas que eu nunca tinha estudado, então comecei por Segredo, a primeira música que eu comecei a estudar, nova, para gravar. E depois fui pegando meio que aleatoriamente - aos poucos eu fui vendo que não era tão aleatória minha escolha, porque acabava uma coisa puxando a outra.

AD - Uma peça ajudou a outra.

MTM - E, por exemplo, Noturno, se não me engano, foi a primeira dessa leva das eruditas que eu gravei. Eu acho até que eu gravei o Noturno antes do Improviso, não lembro. 

AD - O Improviso você já conhecia.

MTM - Eu conhecia, mas nunca tinha tocado. Só tinha tocado naquela versão a dois pianos, com você.

AD - Do Radamés Gnattali.

MTM - Mas o Noturno me ajudou muito a trabalhar a questão melódica, sem ser valsa, mas usando aquele recurso forte dele de melodia principal e cantada do Noturno.

AD -  O Noturno aliás em sol bemol maior. Você notou algo de diferente nas tonalidades que o Nazareth escolhe? São um pouco atípicas, não é? 

MTM - Sim, muito. Ele faz de uma forma, que apesar de a tonalidade não ser muito usual, fisicamente, pianisticamente você vê que encaixa perfeitamente. Porque as teclas pretas são um apoio imenso, e olha que eu tenho mãos muito pequenas, e me senti confortável com aquilo.

AD - Falando nisso, você mencionou o tango Segredo, que já começa com uma abertura de décima (arpejada) na mão esquerda, e depois tem outros acordes enormes (de diminutos). O Nazareth provavelmente tinha uma mão muito grande, pela escrita dele. Como que você enfrentou essas aberturas de mão?

MTM - Olha, eu sempre uso o recurso do arpejado rápido, senão eu não consigo tocar o acorde. Mas eu uso tentando deixar claro que eu estou arpejando realmente, mesmo que seja rápido, para não ficar sujo. [Caso contrário], eu acho que é como se eu chegasse com o globo terrestre de presente para você, e atrás de mim veria que eu estou com uma coisa imensa escondida atrás de mim - seria querer esconder um limite que você pode ter em alguns momentos, então eu procuro tratar musicalmente. Por exemplo, você falou do Segredo. O Segredo eu divido aquele acorde logo de cara [pegando o si com a direita].

AD - E isso é um recurso perfeitamente válido.

MTM - E em várias peças eu faço um dedilhado às vezes que, se tem um aluno tocando a mesma obra, não serve para ele. Eu não sei se já falei nessa entrevista, mas eu tive um professor, o Miguel Proença - eu já tinha 20 anos quando estava tendo aula com ele - e ele falou para mim: “sua mão não vai crescer mais, então seja rápida, seja ágil”. Então é isso que eu fiz (risos).

AD - Falando em agilidade, o Nazareth tem muitos saltos na mão esquerda. Pessoalmente, eu acho essa uma das maiores dificuldades na obra do Nazareth, você veria assim também?

MTM - Sim, eu acho que é uma dificuldade para qualquer pessoa, porque é uma questão de adaptação das distâncias, de saber como chegar até elas com muita precisão, sem ficar arriscando muito.

AD - E também mostra o quão confortável o Nazareth era com o piano, totalmente à vontade. E sobre as tonalidades, nós mencionamos o Digo em ré bemol maior, o Labirinto em sol bemol maior, o Improviso em fá sustenido maior... Isso também é um diferencial interessante que a gente acaba não vendo em outros compositores do universo do Nazareth. Outra curiosidade, quando as pessoas tocam o Odeon de ouvido, podem tocar em ré menor ou mi menor, e muitas vezes acabam não sabendo que o Nazareth o escreveu em dó sustenido menor. E isso é uma coisa interessante da sua integral: você está trazendo não só a escrita original do Nazareth, mas as tonalidades originais todas também.

MTM - Exatamente, e tem uma coisa interessante: uma vez, foi até você que mandou, algumas obras do Aurélio Cavalcanti, que era um pianeiro super famoso e também compositor. Eu estava reparando que ele tem muita coisa em mi bemol, si bemol... A maioria das coisas que eu vi... 

AD - Não vai para os sustenidos.

MTM - E parece que você vê como que esse repertório, que envolve ritmicamente, mesmo que ele não tenha trabalhado a síncope como o Nazareth, mas que envolve aquele acompanhamento com a mão esquerda similar, que tem a oitava, que tem coisas rápidas, é uma questão de organicidade, de linguagem, que facilita.

AD - Tem certos tons que são mais pianísticos, não é?

MTM - São. Nos improvisos de Schubert você vê isso.

AD - São quase todos em bemóis. Vamos falar agora da Carolina Cardoso de Menezes (1916-2000).

MTM - Ah, paixão!

AD - Uma das suas referências. Quando você a conheceu?

MTM - Essa história foi o seguinte... o Nestor Cavalcanti era o diretor da parte de música da Rio Arte, e uma vez, quando eu estava tentando lançar meu primeiro CD, cujo projeto a Rio Arte conseguiu depois aprovar, ele falou: "Você tinha que conhecer a Carolina. Eu vou te botar em contato com ela".

AD - Isso foi o que, por volta de 1995?

MTM - Sim, quando eu voltei dos Estados Unidos. Depois, o Jorge Roberto Martins, que era presidente do MIS [Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro], fez um concerto quando o piano do MIS chegou, o piano do Nazareth, doado pelo Luiz Antônio de Almeida. Ele me ligou e falou: "Ah eu quero muito que você vá, porque vai tocar Carolina e a Maria Alice Saraiva". Isso foi 97. Então eu falei "Eu vou dar um jeito de ir". E eu tinha estava com no meio de vários compromissos, mas eu dei meu jeito e fui. Quando eu cheguei lá, estava lotado.

AD - Foi logo na entrada?

MTM - Foi logo na entrada do MIS, do lado direito, na Praça XV. Quando eu cheguei lá, vi que estava abarrotado de gente, e falei "meu Deus do céu".  Então o me perguntou: "você vai tocar o que?”. Eu pensei "vou fazer umas três coisas do Nazareth”. Eu acho que a Maria Alice Saraiva já tinha tocado - não lembro se eu toquei antes ou depois da Carolina - mas lembro que quando eu acabei de trocar, a Carolina foi até o palco falar comigo. Tenho uma foto dela pegando na minha mão e beijando a minha mão. Foi amor à primeira vista ali (risos).


Carolina Cardoso de Menezes e Maria Teresa Madeira no Museu da Imagem e do Som, 1997

AD - Mas você já tinha ouvido falar dela? Tinha discos?

MTM - Eu já tinha ouvido falar dela, mas eu não tinha nenhum disco dela, porque em 1997 era muito raro, a gente não tinha acesso, estava tudo em LP ainda. Depois dali, eu comecei a pensar “Meu deus, essa mulher, como eu não conhecia?". Sabe, comecei a me culpar - "Como é que ninguém fala, como assim?". Então fiz o projeto para a Rio Arte que entrou, e eu fiquei um ano pesquisando. Foi quando eu consegui todas cópias em 78-RPM, passadas pra CD. Fui várias vezes ao MIS pegar partituras, e acabei entrando em contato com você por causa do Nazareth, e a gente acabou conversando sobre Carolina. E aí começou – tudo que eu via dela...

AD - Ela tocou em um aniversário seu, não foi?

MTM - Foi, no meu aniversário de 40 anos, em outubro do ano 2000 [comemorado com um concerto na Sala Funarte Sidney Miller].

AD - E ela faleceu em 31 de dezembro de 2000 - foi a última vez que se apresentou em público.

MTM - Exatamente. Ela fez uma participação especial. Ela foi, levou umas flores, levou [a partitura do] “Lembrando Nazareth” enroladinho assim pra mim, e eu plastifiquei para não perder. Deixou um bilhetinho pra mim, e tocou, eu tenho gravado isso. Então foi uma honra.

AD - E sobre o estilo dela - o que você pode nos dizer do estilo pianístico dela, e o que você aprendeu com ela?

MTM - Olha, a primeira coisa que me chamou atenção foi como ela usa o pedal, que é um diferencial dos pianistas populares.

AD - Você pode detalhar melhor?

MTM - Limpeza. A limpeza do uso de pedal faz com que ela traga tudo muito limpo.

AD - Ela troca o pedal muitas vezes. 

MTM - Troca, e torna a linguagem muito transparente. Outra coisa é a limpeza com que ela toca, e outra característica é que ela faz várias décimas. Quando ela faz os acompanhamentos de fox-trot, de ragtime, ela faz as décimas na mão esquerda, e ela não erra uma nota – e eu acho que a mão dela ou era do tamanho da minha ou era menor. Impressionante como a mulher podia fazer aquilo. E oitavando que era um espetáculo [na mão direita], sem esbarrar nada. Outra coisa que me chamou a atenção foi a mistura que ela fazia da música americana com a música brasileira. E tinha o diferencial dela quando tocava como acompanhadora, e quando ela tocava como solista.

AD - Você pode especificar melhor isso?

MTM - Ela tomava conta do piano como um todo quando ela era solista, quase que substituindo todos os outros os outros instrumentos que tocavam com ela. Então ela tinha um alcance de registro fantástico, um bom gosto maravilhoso, e, para completar, ainda era uma ótima compositora - até então eu não sabia também que ela era compositora. Tem choro, samba, valsa, fox-trot, tem coisas que ela mescla - uma parte que é mais choro, mais polca - e quanto a essa parte que eu realmente me interessei mais por ela.

AD - Você chegou a conversar com ela sobre música?

MTM - Conversei, bastante. 

AD – Entrevistou-a?

MTM - Não registrei, mas conversei muito com ela. Por exemplo, eu conversei com ela sobre a questão do piano erudito. Ela estudou, mas ela não se formou.

AD - Parece que ela se formou em alguma coisa relacionada à música.

MTM - Teoria e solfejo, só. Mas ela não se formou em piano. Ela fez aulas, e pelo visto foram poucas, mas ela gostava do repertório erudito. Porém tudo ela adaptava ao jeito que ela ouvia.

AD - A Tia Amélia também fazia isso.

MTM - Exatamente. E ela tinha uma verve assim de improvisação, em que ela conseguia ser diferente, mas não entrava ainda naquela linguagem muito da música americana.

AD - Do Jazz.

MTM - É, ela não...

AD - Ela ainda usava uma linguagem mais antiga, que tinha no Brasil na primeira metade do século XX.

MTM - Bem mais, mas era mais refinado do que o que a gente ouvia antes. E em uma entrevista ela fala que ela era fã do Fats Waller. Eu ouvi, e realmente ela tem muito dele.

AD - As décimas que o Fats Waller fazia na esquerda.

MTM - Sim.

AD - E a Carolina trabalhava muito os contratempos no ritmo, não é?

MTM - Muito. O ritmo ela fazia com muita clareza, mas essa clareza não era uma coisa pesada. Ela conseguia fazer melodicamente uma síncope que às vezes quase passava despercebida, sabe? Porque a gente tem um pouco o conceito desses ritmos sincopados, de serem muito expostos, não é? Mas, quando ela queria, ela fazia de uma sutileza, que quando ela passava por aquilo a gente sentia mais o fraseado do que o ritmo em si. E isso me ajudou muito a pensar qualquer coisa que venha desse jeito. Tinha uma leveza -era firme, tudo que ela tocava era firme. Ela tinha um som bonito, um som aveludado.

AD - Depois, em 1999 você fez um trabalho importante na minissérie da Chiquinha Gonzaga, ao ser convidada pela Rede Globo para dublar as mãos da Regina Duarte. Isso foi muito importante na sua carreira, não?

MTM - Foi.

AD - Pode nos falar um pouco sobre esta época? Você chegou a assistir a alguma filmagem, ou você só ia para gravar as músicas? Porque você participou não só da trilha sonora, mas também daqueles clipes com os cantores. Como foi essa dinâmica?

MTM - Um pouco antes de eles me chamarem – aliás, eles me chamaram porque ouviram um trabalho que eu tinha feito anteriormente no CCCB, uma homenagem à Chiquinha, se não me engano pelos 150 anos dela em 1997. A Sarau, produtora do Rio, fez uma grande série sobre Chiquinha, e me convidou para fazer, tocando uma parte com O Trio – que era Paulo Sérgio Santos, Maurício Carrilho e Pedro Amorim - e com a Zezé Gonzaga. Foi aí que eu conheci a Zezé Gonzaga.

AD - Vocês tocaram Chiquinha Gonzaga juntas?

MTM - Sim. E também me apaixonei pela Zezé, foi também uma paixão à primeira vista minha e dela. E os meninos dO Trio eu já conhecia - Paulo Sérgio, principalmente, já o conhecia há muitos anos, desde a época de faculdade de música. 

AD - Você já tocava Chiquinha nessa época?

MTM - Não, não tocava. Aquilo foi um mundo para mim. Escolher as canções, e tinha também a curadoria do Maurício Carrilho, que tinha muita coisa. Então a gente foi escolhendo. Aí parece que esse material chegou às mãos das pessoas lá na televisão, e me chamaram para fazer a dublagem das mãos. Eu falei: "Ah, mas só a dublagem?" (risos) - "Poxa vida, eu queria fazer a dublagem, mas eu queria tocar também". Porque, se você tem uma oportunidade dessas... Na verdade eles me ligaram, e eu falei: "Eu não sou atriz, né? Meu negócio é música. Poxa, se eu dublar o que eu estou gravando vai ser uma maravilha, mas se eu for só para dublar não sei se eu quero. Me perdoa, mas eu não sei". Não que eu ficasse decepcionada com eles, mas eu acho que seria uma coisa me estimularia mais, entendeu?

AD - Então os áudios das cenas que você dublou eram tocados por você também.

MTM - Sim. Quando eu falei isso, quem estava na direção musical era o Marquinho Viana, cujo irmão eu já conhecia há muitos anos, o Andersen Viana. E o Marquinho tinha essa gravadora, Sonhos e Sons, em Belo Horizonte; já fazia os trabalhos dele. Então ele falou: "vem um dia pra cá, pra Belo Horizonte", e eu fui, e fiquei um dia inteiro no estúdio dele. Gravei não sei quantas coisas... Ele me deu as partituras, mas eram várias coisas, e tudo do repertório que viria depois, inclusive da primeira parte [da minissérie]. Eu nem lembro mais o que eu gravei, foram 500 coisas.

AD - E isso depois virou o CD que você fez com ele, não?

MTM - Não, isso ainda não foi. Isso foi para a cena, inclusive eu gravei Polonaise de Chopin, para a primeira fase da Chiquinha.

 

AD - Da Chiquinha jovem, interpretada pela Gabriela Duarte.

MTM - Sim, mas eu não dublei ela.

AD - Quem dublou a Gabriela foi a Luciana Hamond, mas não se falou muito nisso.

MTM - Exatamente. E era um trabalho muito intenso, tanto musical quanto de dublagem, porque tinha muita coisa. Toda cena tinha música. Acho que foi o trabalho televisivo que mais teve música.

AD - Certo, e como foram as filmagens? Você ia ao Projac, e filmava ao piano.

MTM - Sim, eu ia, esperava a Regina Duarte fazer a cena...

AD - Você ficava assistindo à cena?

MTM - Ficava. Porque às vezes tinha coisas seguidas, então depois que ela gravava, eu colocava a blusa dela, se tivesse anel botava anel, se tivesse aliança botava aliança, e gravava.

AD - E como é que você sabia o que tinha que tocar? Você ouvia uma gravação, o Marcus te dava a peça?

MTM - Ouvia. Ouvia o que eu já tinha gravado. Eu mesma dublava o que eu tinha gravado.

AD - E era rápido?

MTM - Era rápido. A cena, como toda novela de época, é uma coisa mais complicada, porque são muitos detalhes, mas foi um trabalho muito legal. O diretor era o Jayme Monjardim, que era um doce de pessoa, e um cara muito ligado em música. Então o Marquinhos, apesar de não estar presente, ele ficava muito em contato. Foram três meses, quase quatro meses de trabalho direto...

AD - Você ia lá várias vezes por semana.

MTM - Duas ou três vezes na semana, e às vezes falavam assim: "vai ter a cena - o que que vai dublar?" "Atraente". Tá bom, aí outra cena "o que que vai dublar?" "Atraente", e eu falei assim: "Vamos mudar um pouco? Chiquinha escreveu tanta coisa!” (risos). Falei "Marquinho, vamos usar outra coisa?". E ele: "Pode, pode usar!". Então eu já estava me sentindo super à vontade ali naquele contexto. E eles também foram muito generosos comigo. Depois surgiu a ideia de fazer os videoclipes no final dos programas, só que eu estava na boca de viajar com minha família de férias, e estava com meus filhos pequenos. Falei: "não vou poder gravar os primeiros". Então pensei: "não vão querer que eu faça o resto". Voltei de viagem, me ligaram de novo e acabei fazendo acho que 20 [clipes].

AD - Então nesse período que você estava fora que entraram os pianistas Leandro Braga, Clara Sverner, Fernanda Chaves Canaud e Miguel Briamonte.

MTM - Isso, tmabém a Luciana Hamond. E depois eu fiz vários. Aquilo foi muito bom.

AD - Você entrou em contato com alguns cantores bem famosos.

MTM - Foi. Adriana Calcanhoto, Beth Carvalho, Alcione, Zé Ramalho, Beto Guedes, Paulinho Mosca, Zeca Baleiro, Leila Pinheiro...

AD - Vocês ensaiavam no mesmo dia, na hora?

MTM - É, a gente chegava mais cedo, marcava antes, e eles eram super solícitos, me perguntando: "Olha, pode falar, qualquer coisa você sugere, vamos passar de novo, ficou bom?"

AD - Eles aprendiam a música antes ou aprendiam com você na hora?

MTM - Eles já tinham uma partitura, mas não liam.

AD - Então você fazia uma espécie de coaching vocal para eles.

MTM - Fazia aquele ensaio, e depois a gente gravava um clipe bem curtinho. Mas foi muito bom, muito bom.

AD - Foi um dos marcos da sua carreira?

MTM - Foi. E o engraçado é que a paixão pelo Nazareth foi bem antes - desde os 14, 15 anos já ouvia e me apaixonei, mas Chiquinha demorou e foi uma coisa que apareceu mais, em termos de divulgação.

AD -  E você saberia me dizer porque Nazareth chegou antes da Chiquinha (na sua vida). Você já parou para pensar nisso?

MTM - Porque é um repertório que eu ouvia dentro do ambiente que eu estudei, que era o ambiente erudito.

AD - Nazareth sempre foi mais ligado ao ambiente dos pianistas, embora a Clara Sverner tenha gravado Chiquinha.

MTM - Sim, eu sabia do trabalho da Clara, mas fui saber depois, até porque a Clara eu conheci depois. Até toquei arranjos a dois pianos com ela.

AD - Você está ciente de que o Nazareth é o primeiro compositor brasileiro a ter sua obra integral gravada, não é?

MTM - Você me fez ficar ciente disso, consciente disso (risos).

AD - É um absurdo que em 2016 seja esse o caso. Como é possível só agora nosso primeiro compositor ter sua integral gravada, sendo que na Europa isso é muito comum - você tem obra do Bach, Beethoven, Chopin gravadas várias vezes. Como você vê a importância de se gravar integrais? E que outras integrais você veria como imediatamente necessárias?

MTM - Olha, a integral do Nazareth ainda não existir, para mim, eu achava sempre um absurdo, porque ele começou a ser tocado no mundo inteiro. Então com esse repertório abrangente para todos os gostos - quando eu fui vendo... Até você foi uma pessoa que me deixou muito a par de quanta coisa inédita ele ainda tinha, quanta coisa ainda no manuscrito. 

AD - Imagina a situação dos outros compositores.

MTM - Pois é. Eu vejo que pode ser até um estímulo, para quem quer que seja, que grave outras integrais. Apesar de ser um trabalho que exija uma disciplina diferente de você gravar um CD só - em uma integral tem que ter uma disposição. Eu não digo só disposição pianística ou física, mas eu acho que intelectual também.

AD - Tem que estar muito focado naquilo, para não se perder no processo.

MTM - É, porque você vai se perguntar várias vezes se "é isso que eu devo fazer" e "porque eu estou fazendo desse jeito". Então uma coisa que você tem que ter é uma identificação com aquilo. Agora, depois que você me falou que é a primeira integral da obra completa, eu fiquei me perguntando quem mais teria na música brasileira... Porque eu tinha sempre atentado muito para a obra para piano de fulano, de ciclano, mas, realmente a obra completíssima, que o cara fez e tá tudo ali...

AD - Você pode citar uns três compositores que você gostaria de ver a integral gravada?

MTM - Olha...  Eu acho que vários compositores que eu gravei no primeiro CD meu. Radamés [Gnattali] tem que ter tudo gravado, tudo.

AD - A obra completa dele ainda não está nem publicada, mas um dia vamos chegar lá.

MTM - Acho que tudo do Lorenzo Fernandez, porque ele foi muito versátil, eu acho.

AD -  O Lorenzo Fernandez tem um concerto para piano que é inédito - não existe gravação dele.

MTM - E tem aquelas Variações [sinfônicas sobre um tema popular brasileiro para piano e orquestra].

AD - A última obra dele. E quem mais, depois do Radamés e Lorenzo Fernandez?

MTM - O Edino [Krieger]. Edino eu queria ouvir. Tinha que ter. Porque ele tem coisas orquestrais, tem coisas para piano a quatro mãos, ele tem percussão, ele tem tudo, tem sonatas... São obras que variam dentro do estilo dele.

AD -  E que papel você acha que uma integral gravada cumpre?

MTM -  História. É uma história personificada, registrada. E eu te falo sinceramente, não é demagógico isso que eu vou te falar, mas eu acho que você tem que ter uma paixão muito grande pela causa que você está fazendo. Você sabe disso porque você é um apaixonado, então uma obra completa... Não é sua aquela versão, é tudo por aquela pessoa [o compositor] que merece, é um reconhecimento.

AD - Fazer sempre pensando no compositor.

MTM - O tempo inteiro. Você está se apropriando de uma coisa que ele fez, que é quase como filhos. Então eu acho muito importante ser um trabalho sério. Se vai sair perfeito, é um desdobramento, mas o processo é muito importante. 

AD - Existem algumas gravadoras estrangeiras que lançam integrais tocadas por vários músicos diferentes. O que você acha dessa dinâmica?

MTM - Eu acho que existem repertórios e repertórios. Então, por exemplo, quando é uma coisa muito prolífica...

AD - Tipo a obra de Bach.

MTM - Tem muitas instrumentações, não é? Mas é sempre um aprendizado, quem já tem na mão alguma coisa... 

AD - Para trazer uma unidade para o projeto.

MTM - É, ou um quarteto de cordas, entendeu? Por exemplo, eu acredito que se você vai fazer a obra do Radamés, que tem quarteto de cordas, que tem sonatas, se aquelas pessoas do quarteto assumirem que querem fazer as sonatas pra cordas... Mas é uma questão de posicionamento.

AD - Aproveitar os mesmos músicos que já estão mergulhados na linguagem do compositor.

MTM - Ou então se tem um duo que já fez alguma coisa... Eu acho que tem que ter uma pesquisa, sabe?

AD - Aproveitar a tradição subjacente, que já existe na vida de certos músicos, e trazer isso para o projeto.

MTM - Agora, depende da disponibilidade de cada um.

AD - É quase um projeto de vida.

MTM - É, porque são vários contratempos que podem existir.

AD - Que músicas você gostaria de aprender e que você ainda não tocou? Me refiro a repertórios que partam de sua vontade própria, e não de convites externos. Você tem pensado sobre isso?

MTM - Uma coisa que eu tenho na cabeça: eu queria gravar um disco com coisas do Jacob do Bandolim, tudo no piano solo, que eu acho que ia funcionar.

AD - Você toca O Vôo da Música e o Santa Morena.

MTM - É. Porque eu acho que a obra do Jacob daria um...

AD - E os pianistas não costumam tocá-la.

MTM - Pois é, porque é uma coisa que você tem que parar para viabilizar, para traduzir a linguagem. E tem que querer. Essas duas eu ouvi. Eu ouvi a gravação do Trio Madeira Brasil tocando Santa Morena e falei: "Hum, isso vai ficar bom no piano." Ouvi o Paulo Sérgio Santos com o Raphael Rabello tocando O Vôo da Mosca e falei: "Hum, quero tocar isso". E aí eu toquei de ouvido, e depois fui conferir na partitura se eu estava chutando muito.

AD - E Vibrações? Já tentou tocar no piano?

MTM - Não. Mas isso é uma coisa que eu tenho vontade. Tem muita coisa do Radamés que eu tenho vontade de fazer, que são os concertos, como o Concerto Popular, o Concerto Romântico. 

AD - Ele tem muitos concertos e peças concertantes, incluindo a Suíte Retratos na versão para piano e orquestra, e tem concertos duplos, triplos, todos excelentes.

MTM - Eu queria muito fazer esse repertório dele, porque eu acho que é muito interessante. Eu gosto muito da música erudita de câmera, de tudo, das coisas clássicas eu gosto.

AD - Por exemplo?

MTM - Adorei fazer [o quinteto] A Truta [de Schubert]. Eu quero tocar A Truta mais vezes... Então esse repertório de câmara eu amo fazer, eu estou sempre tentando fazer.

AD - Você já tocou muitas sonatas para violino e piano, coisas de Brahms...

MTM - Muito.

AD - Sempre que você vinha ao Curso Internacional de Verão da Escola de Música de Brasília [CIVEBRA] - você deve ter vindo umas 10 vezes - você sempre tocava com diversos professores de vários instrumentos, e o que eles trouxessem ali você dava conta.

MTM - Sim. E muita coisa de repertório tradicional de música de câmera eu fiz dentro da faculdade, ou saindo dela. Por exemplo, eu toquei todas as sonatas de Bach para flauta e piano. É uma coisa que, quando você aprende jovem e você continua tocando -porque é um repertório que todo flautista precisa - já entrou no repertório. Por exemplo, as duas sonatas de Brahms para viola, já toquei várias vezes. As de violoncelo também. Então são coisas que às vezes eu vejo certas pessoas falando: "nossa, mas é tão difícil" - continua sendo difícil a vida inteira, mas você já carimbou aquilo. Então é uma coisa que eu adoro fazer. As Sonatas de Poulenc, todas, para flauta, para clarineta... Agora eu estou tocando com o clarinetista José Botelho - desde o ano passado a gente tem feito concertos e turnês, então a gente está trabalhando o Poulenc, que eu nunca tinha trabalhado com ele.

AD - Em termos de discografia, sua escolha foi quase que 100% voltada para a música brasileira, mas pelo visto você adoraria gravar obras de câmara Poulenc, do Brahms, do Bach...

MTM -  Sim. Eu acho que, de todos eles, eu gostaria de gravar Bach para piano solo. Tudo do Bach é maravilhoso

AD - O que você gosta de tocar do Bach?

MTM - Prelúdio e Fuga, Partita, Suíte Inglesa, Suíte francesa...

AD - Você leu todas? As seis francesas e as seis inglesas?

MTM - Li, muita coisa do Bach, mas preparar não preparei tudo. Li acho que quase todos os prelúdios e fugas do Cravo bem-temperado, porque para mim também foi um treino de leitura, mas foi um aprendizado.

AD - Então você gravaria um CD só de Bach para piano solo?

MTM - Gravaria.

AD - O Nelson Freire acabou de gravar um CD só de Bach, seria ótimo você continuar nesse espírito.

MTM - Ah, tá vendo? Não estou sozinha. Eu tenho muita vontade, gosto desse repertório. Agora, tocar música de câmara, eu gravaria também.

AD - Agora que você tem um estúdio em casa, você se vê produzindo mais CDs?

MTM - Sim (risos). E já vieram alguns nessa leva, porque é uma coisa que facilita.

AD - Teve o CD com o João Bani (percussionista). Algum outro?

MTM - Teve o com o Bani, que a gente vai fazer uma versão agora mais luxuosa. O Duas Marias com a [saxofonista] Maria Bragança, e está saindo do forno um outro trabalho que fiz com o David Ganc, flautista e saxofonista, que foi a obra de câmara do Nivaldo Ornelas, que é o tema da tese do David. E eu tenho um carinho por esse trabalho, porque em 1982 eu gravei com o David o Noturno para flauta e piano, que o Nivaldo dedicou a ele, ao David. 

AD - E saiu em LP?

MTM - Não. Gravamos, porque o David queria dar de presente uma fita para o Nivaldo ter - é o repertório camerístico que ele fez. Então agora vai sair em CD. Porque o David conversou com o Nivaldo, e ele acabou escrevendo muitas coisas, uma Suíte, várias coisas. E o CD está pronto, já está em fase de produção.

AD - Você é compositora também.

MTM - Ah, bissexta. Bissextésima (risos). 

AD - Você se vê compondo mais, ou só quando surge uma ideia que precisa muito ser escrita?

MTM - É, porque eu tenho preguiça de escrever. Eu não tenho preguiça de tocar, de estudar, mas de escrever eu morro de preguiça. Mas todas as vezes que eu fiz eu gostei do resultado, achei legal, mas é “bissextamente” - para tristeza do meu marido, porque ele gosta quando eu sento ao piano e a gente vai inventando. Ele fica triste, mas eu não tenho essa veia.

AD - Você se sente plenamente realizada como intérprete, então.

MTM - Sim, sempre gostei. Eu acho que esse repertório é tudo de bom, maravilhoso.

AD - Tem alguma coisa que você gostaria de acrescentar sobre sua filosofia, sobre o modo como você vê a música, sobre seus projetos, alguma coisa que gostaria de falar a mais sobre sua carreira que é tão polivalente?

MTM - Eu aprendi na minha vida que o que eu escolhi é um ofício, é uma profissão, e graças a Deus é uma coisa que eu amo, e é difícil convergir o que você gosta com o que dá certo, com o que te traz felicidade, com o que te traz substância para também criar seus filhos. Tem que ser um entorno favorável, que aquilo ali te deixe em uma situação em que você fique feliz. 

AD - E no seu caso deu certo.

MTM - Ah, eu sou uma privilegiada. Todo dia eu agradeço a Deus. Eu fico pensando: “Puxa vida, eu acordo todo dia tão feliz”, sabe? Eu acordo numa felicidade, que eu falo assim “meu Deus...".

AD - Isso acaba sendo um testemunho que você está dando como musicista.

MTM - Nossa. Tem crise, não tem crise, tem problema, não tem problema, tem dinheiro, não tem dinheiro. Isso acontece, tudo é meio farofento (risos), tudo pode virar pó, mas acho que o que tem na sua cabeça, que você projeta e você faz com amor - também estou falando assim sem nenhum apelo - amor também é uma coisa muito real. E tem muita coisa que só acontece no palco, que é aquele glamour, graças a Deus é o “glamour” do palco. Fora dele, a música é muito real no seu dia a dia, no seu estudo, no trabalho, no suor, pagar conta, receber. É isso, então o lado romântico é lá no palco. Graças a Deus. A gente se prepara para aquilo, eu sempre falo. E só para fechar, eu adoro um "palquinho".

AD - Você se sente bem no palco.

MTM - Eu adoro.

AD - Você nunca teve nervosismo?

MTM - Tenho, mas é um nervoso que ele se rende, ou é um nervoso de... Eu acho que eu só consigo transformar o nervosismo, porque em primeiro lugar eu quero fazer. Dá nervoso, mas eu quero fazer. E eu penso assim: "ah, eu me preparei também, né?"

AD -  O preparo acaba sendo uma resposta ao nervosismo.

MTM - Eu me preparei. Às vezes eu não me preparo tão bem quanto eu gostaria, mas a minha cabeça está concentrada. Então exige mais concentração ainda para a coisa fluir. Você se agarra com aquilo que você fez.

AD - A gente não mencionou o seu lado de professora, Maria Teresa. Você é professora já há bastante tempo - começou dando aulas particulares, eu imagino, depois trabalhou no Conservatório Brasileiro de Música, e hoje você é professora na Unirio. Eu gostaria de perguntar que mensagem você deixaria para os alunos de música, pessoas interessadas em estudar piano, com base na sua experiência de pianista e professora. Você teria dicas e sugestões para passar pra pessoas que queiram entrar nesse mundo do piano?

MTM - Eu acho que a música tem um mercado de trabalho como em qualquer outra profissão, então quanto mais preparado você estiver para o mercado de trabalho, você terá mais chances de ser feliz. Obviamente que a gente tem que trabalhar muito. Eu acho que a investigação pessoal do músico, o estudo é uma coisa importantíssima, porque é o que leva a gente a ter segurança para qualquer coisa que você vai fazer. Porque o instinto musical, o talento, às vezes podem te enganar um pouco dentro deste mercado - você tem hora, você tem dia para cumprir um compromisso. Não é no dia que você acorda bem que você vai tocar, e você está triste e fla "ah, hoje eu não vou fazer", não. É como uma consulta. Você tem uma consulta marcada, o médico está lá e te recebe, e acabou-se. Eu tenho um concerto às 20:00 no endereço tal, as pessoas pagaram e estão ali para me assistir. Se eu não estiver no meu melhor dia, o que vai me sustentar é o meu estudo pessoal, é a minha disciplina com a técnica. Porque técnica, seja ela o que for, vem do téchne, da maneira de fazer. Não é tocar rápido nem tocar forte. Não. Técnica é assim: "Eu aprendi a fazer aquilo, então é a hora de eu fazer o que eu aprendi". Se eu estudei muito, se eu estudei pouco, ou se eu estudei muito e mal (risos), é um problema meu, mas eu tenho um compromisso. E do jeito que a gente vive hoje, eu falo muito para os alunos, a gente não tem muita chance de ser romântico no sentido de, por exemplo, ir para um estúdio gravar sem estar preparado. Porque o produtor que está gastando dinheiro ali com você e naquele projeto, isto quando não é o seu próprio, ele vai ficar contando o tempo que você já deveria ter entrado ali com a coisa mais feita. Porque antigamente até tinha chance disso, mas eu falo: "Gente, chega preparado para as coisas, não dá chance para o azar".

AD - Você mencionou “investigação pessoal” quando mencionou os estudos. Você se conhece quando estuda?

MTM - Ah sim, mas você precisa, porque você tem que saber o seu limite, e o que você é capaz. Porque no palco não dá, não é lugar pra isso.

AD - Não pode deixar espaço para surpresas.

MTM - É, no palco você já vai ter surpresa. Então o estudo que você faz é para você se armar de música, para você ter cartas ali. Se não o palco vira uma arena (risos), em vez ser uma coisa boa.

AD - Para este ano (2016) você tem algum outro projeto em vista, além de lançar a integral do Nazareth em recitais?

MTM - Esse ano tem o trabalho da obra do Nivaldo, e o relançamento do João e Maria com o Bani. Eu e o Pedro Amorim também estamos com planos de fazer um segundo CD, então me aguarde. E o meu doutorado que eu tenho que terminar sobre a Carolina [Cardoso de Menezes], pelo amor de Deus, Ave Maria!

AD - Muito obrigado pela entrevista.