1º Relatório do Instituto Piano Brasileiro - 04/11/2015

O IPB foi inaugurado em agosto de 2015, e no início de outubro iniciamos uma campanha de financiamento coletivo através do site Benfeitoria.com para mantermos e atualizarmos o site.

Já estamos com 13 assinantes que contribuem mensalmente para a divulgação da cultura do piano brasileiro, e como contrapartida já receberam o primeiro álbum de partituras do IPB, contendo uma compilação de 10 partituras brasileiras para piano, como por exemplo o tango Júlia, de Chiquinha Gonzaga, que estava desaparecido, e foi encontrado no ano passado pelo colecionador Sandor Buys, as primeiras variações escritas por um brasileiro (Alexandre Levy), a famosa Il Neige de Henrique Oswald, a Serenata Diabólica de Barrozo Netto, além de outras peças deliciosas de Luiz Levy, Ernesto Nazareth, Zequinha de Abreu, Eduardo Souto, Henrique Alves de Mesquita e Anacleto de Medeiros.

Para se tornar um assinante, acesse https://benfeitoria.com/institutopianobrasileiro (é possível contribuir com qualquer valor; o pagamento é feito por cartão de crédito ou paypal, e o valor estipulado será cobrado mensalmente - é possível cancelar a qualquer momento).

Com o valor angariado, tem sido possível realizar postagens diárias em nossa página no facebook: www.facebook.com/InstitutoPianoBrasileiro/ .   

Todos os 180 posts publicados entre 5 de julho (a página no facebook foi inaugurada antes da página na web) e 4 de novembro estão disponíveis neste pdf. A partir de agora iremos disponibilizar relatórios mensalmente, explicitando as novidades.

Neste período publicamos diversos textos sobre pianistas e compositores brasileiros, incluindo fotos raras, divulgamos gravações, realizamos um sorteio (do CD "Diversidade", do Estúdio Legato, com participação de 11 pianistas brasileiros), fizemos uma homenagem especial ao dia das crianças com postagens de diversos pianistas quando crianças, e iniciamos duas séries: Quiz IPB, em que apresentamos diariamente trechos de partituras brasileiras para serem identificadas, e que tem contado com ampla participação do público; e Capas de partituras IPB, em que apresentamos capas históricas, de partituras do início do século, que em geral são verdadeiras obras de arte, e testemunhos do design gráfico de sua época. 

Além disso, iniciamos um programa semanal em parceria com a Rádio MEC e a Rádio Batuta chamado "Piano Brasileiro", em que apresentamos a cada programa um pianista e uma gravação histórica.  O programa vai ao ar todos os domingos às 20h na Rádio MEC FM (99,3 MHz, Rio de Janeiro), com reprise nas quintas às 18h30. O link para ouvir a rádio ao vivo é: http://radios.ebc.com.br/mecfmrio

A Rádio Batuta também está transmitindo estes programas, e oferece um índice para ouvir todos eles, a qualquer momento: http://www.radiobatuta.com.br/RadioPrograms/view/46

Até agora foram homenageados Camargo Guarnieri, Nonô, Anna Stella Schic, Carolina Cardoso de Menezes, Guiomar Novaes e Maestro Gaó.

Abaixo replicamos alguns dos posts publicados em nossa página no facebook.


É sempre um privilégio poder ver tantos grandes pianistas em uma mesma foto. Aqui vemos (sentadas da esquerda para a direita) Felicja Blumental, Guiomar Novaes, Yara Bernette e a pintora Tarsila do Amaral. Em pé, da esquerda para a direita, temos: Anna Stella Schic, Souza Lima (atrás de Guiomar Novaes), o professor José Kliass (atrás de Yara Bernette), Gilberto Tinetti, Annete Celine (filha de Felicja), José da Silva Martins (com o rosto parcialmente encoberto, pai de João Carlos Martins), Markus Mizne (esposo de Felicja), João Carlos Martins e Odette Faria. Galeria Ambiente, em São Paulo em 1962, vernissage de Annette Celine. Agradecemos a Annette Celine, filha de Felicja Blumental, pelo envio desta preciosa foto, e a Denis Molitsas, Ana Natali, Carlos de Souza Lima, Antonio Augusto Souza Lima e Ciro Dias pela ajuda na identificação de várias das personalidades.


Uma rara foto de Heitor Villa-Lobos ao piano. Completando esta cena histórica, vemos também o grande compositor mineiro Fructuoso Vianna ouvindo-o com atenção (primeiro de pé à esquerda), a pianista Felicja Blumental (de branco, ao centro) e Julieta Strutt (irmã de Mindinha Villa-Lobos, escorada ao piano). Villa-Lobos tem um papel central dentre os compositores que compuseram para piano no Brasil, e estará contemplado no IPB com listagem de obras, discografia, e textos. Foto gentilmente cedida por Annette Celine, filha de Felicja Blumental. Agradecemos a Marcelo Rodolfo pela ajuda na identificação de Julieta Strutt.


O Instituto Piano Brasileiro deseja um bom domingo a todos, com esta foto histórica: Luiz Eça (de pé à esquerda), Lúcia Branco, Jacques Klein, Nelson Freire e Arthur Moreira Lima (sentado ao piano) (todos seus alunos, com exceção de Jacques Klein). A professora Lúcia Branco (1903-1973) teve um papel fundamental no ensino de uma geração de pianistas no Rio de Janeiro, e ela própria foi aluna de Arthur De Greef, que teve aulas com ninguém menos que Franz Liszt. Pouco depois desta foto, ocorreria o 1º Concurso Internacional do Rio de Janeiro (1957), do qual participariam Arthur Moreira Lima aos 17 anos e Nelson Freire aos 12 anos, este último tocando o Imperador de Beethoven, um feito que entrou para a história. Outro fato interessante desta época é que, volta e meia, ao sair da aula (no apartamento que ficava na Rua General Urquiza, nº 108, Leblon), Moreira Lima encontrava na sala de espera um rapaz mais velho, que esperava a vez. Um dia, a professora Lúcia Branco fez o seguinte comentário: "Esse rapaz que vem depois da sua aula quer ser pianista clássico. Mas ele faz músicas tão lindas, que devia se dedicar ao seu próprio trabalho". O rapaz era Tom Jobim.


Louis Moreau Gottschalk (1829-1869) é considerado o maior pianista americano do século XIX. Admirado por Chopin e pioneiro em utilizar ritmos latino americanos em suas composições, Gottschalk veio parar no Rio de Janeiro na década de 1860, causando grande impacto sobre nosso meio musical. Em 1869, ano em que morreu, compôs a ainda obscura "Grande Fantasia Triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro", e a dedicou à princesa Isabel. Essa história continua em 1912, quando Guiomar Novaes, já premiada e aluna do Conservatório de Paris, visita a Princesa Isabel (agora referida apenas como Condessa d'Eu) em seu exílio na França, e é persuadida a incluir esta peça em seu repertório. Guiomar na verdade se
apaixonaria por estas variações e as tornaria célebres, tocando-as frequentemente de bis em seus recitais e vindo a gravá-la seis vezes (em 1919, 1920, 1923, 1927, 1971 e 1974, embora nem todas tenham sido lançadas). Não é arriscado supor que Guiomar tenha procurado passar adiante esta partitura para pianistas como Nelson Freire, com quem teve grande contato. E isto resultou em uma gravação eletrizante que Nelson fez para a rádio alemã Sender Freies Berlin em 1979 (ano da morte de Guiomar), e que nunca foi lançada comercialmente (esta seria a única ocasião em que Nelson Freire tocaria esta música, segundo o próprio nos informou). Ouçam-na aqui:https://www.youtube.com/watch?v=Ju9GUdD57ww


Uma foto muito especial: o franco-suíço Alfred Cortot (1877-1962), professor de Magda Tagliaferro, ao lado do paulista Souza Lima (1898-1982), que estudou no Conservatório de Paris, onde Cortot era professor. Esta foto representa mais do que a mera presença de dois grandes pianistas nascidos no século XIX. Temos aqui dois autênticos polímatas da música, o que em inglês se costuma resumir na expressão "larger than life". Ambos foram grandes pianistas concertistas internacionais, professores de renome, maestros, editores, revisores, e transcritores, tendo influenciado e inspirado gerações de pianistas. Souza Lima foi ainda compositor, produzindo inúmeras obras primas para piano (como os 10 prelúdios ou as 8 peças românticas), além de canto e piano, formações de câmara, orquestra, e até um imponente concerto para piano e orquestra que permanece inédito em gravação. O Instituto Piano Brasileiro abordará o vasto legado de Souza Lima. Foto tirada em 1952, na casa de Souza Lima (Rua Itápolis, São Paulo), e pertencente originalmente ao acervo de Souza Lima. Agradecimentos a Ciro Dias e a Carlos Augusto de Souza Lima.


Uma dessas descobertas que só ocorrem a cada 100 anos: apareceu um disco 78-RPM, até então desconhecido, em que Chiquinha Gonzaga interpreta duas de suas músicas ao piano solo. Para complementar, a voz que se ouve no início é da própria Chiquinha. Leiam mais no site do IMS:http://www.ims.com.br/ims/explore/acervo/noticias/a-voz-e-o-piano-de-chiquinha


Antonio Guedes Barbosa (1943-1993) foi um pianista paraibano, e um dos maiores do Brasil. Depois de quase seguir a carreira de diplomata, passou a dedicar-se à carreira de concertista, conquistando a crítica internacional, que o comparou a Rubinstein, Cortot, Guiomar Novaes e Martha Argerich. Alguns de seus professores ilustres foram Arnaldo Estrella, Claudio Arrau e Vladimir Horowitz. Seus discos são difíceis de se conseguir, produzidos principalmente pelo selo americano Connoisseur Society, e dentre eles encontramos diversas obras de Chopin (as 14 valsas, 51 mazurcas, 7 polonaises, 4 scherzos, e 2 sonatas), Debussy (Prelúdios do 2º caderno), Milhaud (Saudades do Brasil), Liszt (incluindo 9 transcrições Schubert-Liszt), Sonatas Op.53 e Op.109 de Beethoven, Bachianas No.4 de Villa-Lobos e Rios de Almeida Prado. Parte dessas gravações foram lançadas no Brasil pela gravadora Kuarup. Com a violinista polonesa Wanda Wilkomirska gravou as 3 sonatas de
Brahms, além de Franck e Szymanowski. Barbosa possuía reflexos impressionantes, que lhe conferiam uma facilidade sobre-humana. Infelizmente faleceu aos 50 anos, e cada vez se ouve falar menos dele. Ouça aqui sua gravação eletrizante dos quatro Scherzos de Chopin realizada em 1974.https://www.youtube.com/watch?v=OGbUnD2SFEo
31.


Nise Poggi-Obino (1918-1995), nascida no Rio de Janeiro, diplomou-se pelo Instituto de Belas Artes, de Porto Alegre em 1934, obtendo no ano seguinte o prêmio máximo do concurso Araújo Viana, com medalha de ouro e viagem à Europa. Em 1944 viajou pelo país em missão cultural do então Ministério da Educação e Saúde Pública, dando concertos e recitais. Em 1951, apresentou-se com a Orquestra Sinfônica do Teatro Municipal, do Rio de Janeiro, sob a regência de Camargo Guarnieri, interpretando, em primeira audição nacional, o Concerto No.1 de Shostakovitch. Em 1964 foi um dos fundadores e titular da Academia de Música Lorenzo Fernandez, do Rio de Janeiro e de Brasília. vindo depois a ser professora na Universidade de Brasília, onde doutorou-se em piano em 1966. Pedagoga exímia, publicou pesquisas sobre o cravo e clavicórdio, e um método para piano, utilizando didática gestáltica. Foi professora de Nelson Freire, Rosana Martins, Elza Gushikem, Roberto Gnattali, dentre outros. Hoje ela completaria 97 anos. Esta foto foi publicada na Revista O Malho em 1937, por ocasião de seu recital no Instituto Nacional de Música (Rio de Janeiro), em que interpretou a Sonata Op.110 de Beethoven e a Fantasia de Chopin, dentre outras peças. Saiba mais sobre Nise Obino nesta entrevista de Nelson Freire para o Instituto Piano Brasileiro. http://www.institutopianobrasileiro.com.br/post/visualizar/Depoimento_de_Nelson_Freire_parte_1


Premiados do I Concurso de Piano do Rio de Janeiro (1957). Da esquerda para a direita: Nelson Freire (com 12 anos na época, tocou o 1º mov. do Imperador de Beethoven na final); Giuseppe Postiglione (italiano, 2º lugar empatado); Alexander Jenner (austríaco, 1º lugar); Sergei Dorensky (russo, 2º lugar empatado); Claude Albert Coppens (belga, ganhou o "Prêmio Villa-Lobos" por ter se destacado na execução do Concerto No.5 deste autor); Fernando Lopes (brasileiro mais pontuado, e premiado como "melhor intérprete das mazurcas"); e Mikhail Voskresensky (russo). Acervo de Nelson Freire.


Na edição de 14 de outubro de 1974, o jornal O Pasquim publicou uma entrevista sui generis com Arthur Moreira Lima, conduzida por Sérgio Cabral. A matéria ocupou duas páginas, e o seguinte trecho foi publicado no livro "O piano e a estrada" (2009), de Marcelo Mazuras.

O PASQUIM- Parece que o ensino de piano em Moscou é um dos melhores, não é isso?
ARTHUR - Eu sou suspeito porque estudei lá. Mas acho que é mesmo. Aquilo é uma máquina de fabricar pianista. Ninguém pode fabricar grandes personalidades, mas gente que toca direito, que conhece, isso eles fazem. Lá eles levam tudo a sério. Me lembro que eu e um amigo fomos nos inscrever numa piscina pública que tem lá, só pra dar uma nadada, entende?, e os caras queriam que a gente fizesse tudo que é exame, até exame de fezes. E havia também provas teóricas, aí nós desistimos. Não dá pé. É levar tudo um pouco a sério demais.
O PASQUIM- Você ficou quanto tempo em Moscou?
ARTHUR - Quase oito anos. Fiz cinco de curso e três de pós-graduação, no qual eu já era assistente do meu professor. Quer saber uma coisa? Eu tenho poucas razões pra ter orgulho na vida. Uma delas foi ter sido campeão de botão quando era garoto. Outra, a de ter nascido no Estácio, criado no Catete, subdesenvolvido, e acabei ensinando a russada lá. Quando meu professor viajava, era eu que ficava ensinando.
O PASQUIM- Como é que foi aquele concurso de Varsóvia?
ARTHUR- Foi em 1965. Ainda morava em Moscou.
O PASQUIM - Você foi o primeiro colocado, não foi?
ARTHUR- Não, fui o segundo. Já viu brasileiro ser primeiro? Temos que dar lugar aos outros. Fora de brincadeira: quem ganhou foi uma pessoa maravilhosa, uma das maiores pianistas do mundo, mas foi por décimos. Foi ali, cabeça com cabeça.
O PASQUIM- Foi o Concurso Chopin, né?
ARTHUR- Foi. Lá da Rússia, saímos sete concorrentes. Cinco russos, uma búlgara e eu. Me lembro que um mês antes, em janeiro, um frio desgraçado, houve uma simulação do concurso diante dos professores do Conservatório de Moscou. Era um júri mais competente do que o de Varsóvia. Ali, os concorrentes ajudavam um o outro, criticando, colaborando. Aliás, um troço que observei lá é que não existe essa concorrência safada da nossa profissão - de todas as profissões, né? Ninguém quer tirar o lugar do colega.
O PASQUIM- E em Varsóvia?
ARTHUR- Bem, eu fui pensando em tirar um 15°, 16°, já estava bom. Correto?, como diz o Gérson do Fluminense. Certo?- ele também diz. Aliás, o Gérson é um barato. Como joga bola aquele cara, hein? Acho jogadores assim como o Gérson, Didi, maravilhosos. Como certos pianistas. Didi pra mim é o Gulda. Ele podia errar tudo,
mas de repente tinha aquele momento de gênio que neguinho pode estudar a vida inteira que não vai conseguir fazer igual.
O PASQUIM- Tem algum grande pianista hoje como Didi?
ARTHUR - Sei lá, os grandes pianistas atuais tendem mais para Pelé do que pra Didi. São perfeitos demais. Tem o Rubinstein, né? Esse ainda faz uns troços que dão aquela ereção, entende?
O PASQUIM- E a mulher que ganhou de você, quem era?
ARTHUR- A Martha Argerich, uma argentina. É, longe, a maior pianista mulher do mundo. Além do mais, uma pessoa maravilhosa. Fiquei muito orgulhoso de ter perdido pra ela. O PASQUIM- E é boa também?
ARTHUR- Boa? Boníssima! Linda!
O PASQUIM - Ela tem jogadas tipo Didi?
ARTHUR- Ela tem.
O PASQUIM- E ninguém mais?
ARTHUR - Tem, deixa eu ver. Você fala naquele cara que tem rasgos sensacionais? Tem sim. O Radu Lupu, esse cara é genial. Não é porque é meu amigo. Sou amigo dele porque ele tem esses lances. Cara que trata a bola de senhora não tem papo comigo. Cara que briga com instrumento não dá. O Sergei Dorensky tem momentos de gênio. Prefiro o cara que tem momentos de gênio do que o que é bom o tempo todo. Quando eu vou ver um cara desses, eu quero é ouvir aquela frase, entende?, aquele lençol, aquela falta bem cobrada, é tudo isso.
O PASQUIM - E os nossos instrumentistas?
ARTHUR- Bem, mais antigas tem a Guiomar Novaes e Magda Tagliaferro. Mas há uns caras bons, como o locutor que vos fala e outros que não vou citar que não quero dar colher de chá pra ninguém. Fora de brincadeira, tem uns caras bons agora no Brasil. O Jacques Klein, o Nelson Freire, o Roberto Szidon, o Antônio Barbosa, e na novíssima geração, Jean Louis Steuerman, que ganhou o concurso Bach em Leipzig, Linda Bustani e Cristina Ortiz, e tem um cara que é uma grande figura, o João Carlos Martins. Vocês têm que fazer uma entrevista com ele. É um dos maiores baratos que eu conheço. Ele é um dos maiores - se não o maior - intérpretes de Bach do mundo. É um cara que faz tudo bem e entende de tudo. Tanto que acabou sendo diretor de banco. Ele é torcedor doente da Portuguesa de São Paulo. Se ele cismar de ser técnico da Portuguesa, será um grande técnico. Sabe aquele cara competente? João Carlos é um cara competente. Louco e competente. Mas que não brinca em serviço. Sabe como foi que ele quebrou o braço? Jogando urna pelada no Central Park de Nova York. Deu um "come" em Jair Marinho -está lembrado dele? -e ganhou um rapa.
O PASQUIM- E dos compositores brasileiros atuais, tem algum que você gosta?
ARTHUR - Tem. O Edino Krieger, o Almeida Prado, o Marlos Nobre, o Escobar, da nova geração são esses. Há outros bons, cuja obra não conheço.
O PASQUIM - Qual é o autor brasileiro que você executa com mais receptividade lá fora?
ARTHUR - Bem, eu só tenho tocado Villa-Lobos. Que, aliás, tem uma receptividade muito maior lá fora do que no Brasil. Ele é considerado o maior compositor das Américas. E com toda razão. Tem neguinho aí que perto dele não pega nem juveniL Eu gosto muito do Ernesto Nazareth também. Mas é um compositor muito mais difícil de ser entendido no estrangeiro. Aliás, eu vou gravar um disco em Moscou só com músicas brasileiras e é claro que vou incluir Nazareth.
O PASQUIM- Você também curte a música popular?
ARTHUR- Eu curto, mas infelizmente não posso estar tão bem informado quanto deveria estar se morasse aqui. Mas fora dos outros que a gente já conhecia, Raul Seixas foi pra mim a coisa mais importante que encontrei no Brasil em matéria de música popular. Um cara que me tocou; a gente sente que sabe das coisas, foi o Raul Seixas.
O PASQUIM- Quem mais que você gosta? Quais são os óbvios pra você?
ARTHUR - Chico Buarque, Tom Jobim, sem falar em Noel Rosa que, puxa vida!, se eu fosse mulher e vivesse no tempo dele, estaríamos feitos.
O PASQUIM - Me lembro que uma vez você me disse que o Waldick Soriano canta bem. Você falou aquilo de sacanagem ou foi sério?
ARTHUR- Eu gosto daquele estilo. É o meu lado cafona. Eu curto tango, pô. Tango é bem melhor, se você quiser. O que tenho de Carlos Gardel na minha discoteca não é normal. Você sabe, eu gosto desses caras que fazem isso com sinceridade, que não estão naquela só pra faturar. É difícil de explicar, mas a verdade é essa. E eu acho que Waldick Soriano é sincero. Noutro dia, eu até falei que pra se curtir Chacrinha se tem que ser muito fino ou muito grosso. O médio não dá pra curtir Chacrinha, não. Eu acho a grossura que o Chacrinha faz de uma tremenda finura; não sei se você me entende.


Em 1989, Tim Rescala compôs seu "Estudo para piano", uma pérola de nosso repertório de concerto, que utiliza humor e representação cênica, sobre uma menina que tem sentimentos mistos ao estudar piano. Neste vídeo, gravado em 2002, podemos assistir à versão completa, brilhantemente interpretada pela pianista carioca Maria Teresa Madeira.
https://www.youtube.com/watch?v=VhO_gtH7H6w


Em 21 de maio 1965, o grande pianista Arnaldo Estrella, então crítico de música do jornal Última Hora, publicou uma sagaz crônica intitulada "Sinfonia Vale-Tudo", sobre os barulhos que assolavam o Rio de Janeiro na década de 60. Este texto provavelmente permaneceria perdido por muito tempo, não fosse o escritor Rubem Braga tê-lo citado na íntegra em uma de suas próprias crônicas sob o título "Arnaldo Estrella cronista", que por sua vez acabou chegando às mãos do ator Paulo Autran, que a recitou para a série "Quadrante", gravada por volta de 2007 para a rádio Band News.

Transcrevemos abaixo o texto original de Arnaldo Estrella, e ao final apresentamos o link para ouvirem a gravação lida por Paulo Autran.

"Sinfonia Vale-Tudo

Fico pensando. Por que tão pouco público? Tão escasso, estacionário, numa cidade que cresce tanto? Não atino com as causas, sigo matutando.

Pois ontem, subitamente, descobri. Descobri a razão por que só pequena parcela dos cariocas frequenta a Música. Ei-la: o cidadão-GB [Guanabara] é o mais nutrido de música do mundo. Absorve-a noite e dia, em casa, na rua, onde quer que esteja de graça, queira ou não queira.

Devo confessar que esta asserção é válida, somente, se ampliado o conceito tradicional de Música. Acontece que essa ampliação se infere do próprio conteúdo das últimas experiências da Música Concreta que, decompondo, distorcendo e recriando ruídos, pleiteia a montagem de um vocabulário que revitalize a velha Arte.

O ruído deixa de ser o avesso da Música. Incorpora-se no seu acervo.

Vai daí, concluo que os céus e a terra nos cumulam de música no Estado da Guanabara. Para que ir ao Municipal?

Vou contar como fiz a minha descoberta.

Pela manhã, entregue ao trabalho cotidiano numa sala de edifício situado em pleno centro urbano, recebo a primeira oferenda generosa, "Introdução" à Sinfonia da Cidade. Um avião, a jato, seguramente, passa em voo rasante sobre o telhado e musicaliza o edifício, que de alto a baixo, se transforma num "vibrato" unânime. Durante alguns momentos, todas as vozes e sons somem, tragados pelo tema do "pássaro metálico". Como gorjeia esse pássaro!

Breve pausa. (A pausa é elemento integrante da Música). Vem o "segundo movimento" da Sinfonia. Conciso e explosivo! Antecipação junina. Carga de dinamite deflagrada gratuitamente, gesto desinteressado, Arte pela Arte. Corro à janela, não há mortos nem feridos, afora os meus tímpanos.

Saio. Passo pela porta de uma loja. Um toca-discos invectiva os transeuntes. É o solista do "terceiro movimento" da Sinfonia. Acompanha-o, maviosa, a orquestração citadina. Buzinas, bondes em marcha, apitos e outros instrumentos que desfiam um contraponto infinito.

Está na hora de voltar para casa. Esgrimindo, invencíveis, os coletivos desenham diagonais no asfalto. No comando, motoristas que parecem ter saído das costelas do Diabo para infernar-nos a vida.

Num rasgo de intrepidez, entrego a vida a um deles. E recebo, em retribuição, o "quarto movimento" da Sinfonia, moderno, percussivo, tambor obstinado. Para espavorir veículos e pedestres, o motorista e o trocador executam um "duo" de palmadas na lataria do carro. É a última invenção desses heroicos rapazes, o mais recente improviso da cidade maravilhosa.

Enfim, o lar, doce lar. Da área de serviço chegam os sons atropelados de um programa de rádio; sobre eles, soberana, a voz da cozinheira, "diva" da domesticidade, desfere seu voo lírico, sonorizando o ambiente. Vem aos meus ouvidos, gingando, um desses produtos híbridos inventados pelos gênios da Radiofonia-GB samba-outra-coisaqualquer.É a "coda" da Sinfonia Vale-Tudo.

À noite, havendo concerto, que faço? Vou ao Municipal? Pois sim! Eu quero é sossego.

Arnaldo Estrella" 

Gravação da crônica lida por Paulo Autran:
https://www.youtube.com/watch?v=lPpPqFoVgGk&feature=youtu.be


IPB no Dia das Crianças! Ao longo do dia postaremos fotos de grandes pianistas brasileiros quando crianças. Tente identificá-los! Postaremos dicas, se necessário. Alguém sabe quem é este?


No segundo andar do Museu da República (Palácio do Catete, do Rio de Janeiro), há um antigo piano Erard, cuja data não se conhecia. Poderia ser do início da República (neste caso teria sido tocado pela primeira dama Nair de Teffé em seus saraus), ou quem sabe do Império (talvez pertencente à Princesa Isabel). O crítico francês Alain Lompech nos estimulou a buscar o número de série do piano, pois, de posse desta informação, seria possível não só determinar seu ano de fabricação, como também o nome do comprador. Conversamos então com os responsáveis pelo setor de museologia, que permitiram que o piano fosse aberto. Finalmente encontramos o número 97387 em um local escondido na parte de dentro do piano, próximo à dobradiça da tampa. Rapidamente, o Sr. Lompech conseguiu encontrar as preciosas informações de que a fabricação deste piano de cordas cruzadas foi concluída no dia 17 de janeiro de 1910, e logo depois foi comprado no dia 28 de janeiro pela casa Sampaio, Araújo & Cia., do Rio de Janeiro. Ao lado, a observação surpreendente: "Prix exceptionnel pour les concerts d'Arthur Napoleao" (vendido a um preço excepcional para os concertos de Arthur Napoleão). Esta informação transforma este piano em um dos mais importantes do Rio de Janeiro, pois foi utilizado em concertos por Arthur Napoleão, um dos pianistas mais proeminentes do Brasil do século XIX e início do século XX (além de proprietário da editora que mais publicou partituras no Brasil). A história dele ainda não está completa, pois não sabemos ao certo quando ele chegou ao Palácio. Agora são necessárias mais pesquisas para sabermos se foi neste piano que a primeira dama Nair de Teffé tocou rapsódias de Liszt em seus famosos saraus! Além disso, para voltar a funcionar, o piano necessita de uma restauração completa.

 


No dia 26 de outubro de 1914 (a cerca de 3 semanas da troca presidencial), foi realizado um sarau muito interessante no Palácio do Catete. Participaram como músicos: D. Nair de Teffé (então primeira dama da República, esposa de Hermes da Fonseca, tocando piano, bandolim, violão solo, e canto e violão), Ernani de Figueiredo (violão), Leopoldo Duque Estrada (piano), Mme. Nisia Silva (canto), e Arthur Napleão (piano). É famoso o fato de que Nair de Teffé (foto abaixo) tocou o Corta-jaca de Chiquinha Gonzaga ao violão nesta ocasião, o que provocou a revolta de Ruy Barbosa. Porém o que quase nunca é dito é que, no mesmo recital, ela também se apresentou ao piano, tocando uma Rapsódia de Liszt, além de outras peças, e o próprio Arthur Napoleão participou tocando uma (ou duas) de suas peças!. O programa completo da soirée foi publicado no jornal A Rua, do dia 6 de novembro, e transcrito por Edinha Diniz em seu livro "Chiqunha Gonzaga - uma história de vida" (IMS, 2009, p.295, nota no.8):

1) Autor desconhecido - Chant d'oiseau (Ernani de Figueiredo, violão)
2) Louis Moreau Gottschalk - Grande fantasia triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro (Leopoldo Duque Estrada, piano)
3) Charpentier - Depuis le Jour, romance da ópera Louise (Nisia Silva, canto; Arthur Napoleão, piano)
4) Autor desconhecido - Chant du gondolier (Nair de Teffé, bandolim; e Ernani de Figueiredo, violão)
5) Autor desconhecido - La cinquantaine (Nair de Teffé, bandolim; e Ernani de Figueiredo, violão)
6) Arthur Napoleão - Étincelles (Arthur Napoleão, piano)
7) Autor desconhecido - Vidalitas (Nair de Teffé, canto e violão)
8) Chiquinha Gonzaga - Corta-jaca (Nair de Teffé, violão solo)
9) Franz Liszt - Rapsódia (número não identificado) (Nair de Teffé, piano)
10) BIS. Blackboulé au conservatoire (Nair de Teffé, piano talvez)
11) BIS. Le chapeau de théâtre (Nair de Teffé, piano talvez)


Maria da Penha (de Almeida Verta) (1936), nascida em Niterói, iniciou seus estudos aos 7 anos com a professora Elzira Amablle, e fez seu début pianístico aos 8 anos, como solista da Orquestra do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Aos 14 anos (1949), conquistou o primeiro lugar no Concurso Chopin realizado na Escola Nacional de Música, Rio de Janeiro, e em seguida a Medalha de Ouro do Concurso das Diplomandas de 1950, do Conservatório Brasileiro de Música. Como resultado, obteve uma bolsa de estudos para a Europa, onde passou cinco anos estudando com Marguerite Long, Ives Nat, Jacques Février e Józef Turczyński. De volta ao Brasil, prosseguiu seus estudos com Souza Lima, por indicação da própria Mme. Long. Em 1955, obteve o 3º lugar no Concurso Busoni, Itália, e, ainda nesta década, recebeu a medalha de ouro no Concurso Internacional de Música de Genegra. Passou então a excursionar por vários países, e chegou a tocar Darius Milhaud na Salle Pleyel. Depois fixou residência no Brasil, prosseguindo suas atividades como concertista e professora de piano na Academia de Música Lorenzo Fernandez (Rio de Janeiro) e periodicamente em Belo Horizonte. Algumas das peças dedicadas a ela foram: a 2ª Sonata para piano (1962) e a 1ª Valsa brasileira (1963) de Francisco Mignone (Maria da Penha também apresentou e deixou gravada sua Sonata No.1); e o Prelúdio No.9, para mão esquerda, de Souza Lima. Em 1963, foi considerada a melhor recitalista do ano pela Sociedade Brasileira de Crísticos Teatrais. Em 1974, estreou a Toccata, de Edino Krieger, para piano e orquestra, com a Orquestra Sinfônica Nacional sob regência de Carlos Eduardo Prates, na Sala Cecília Meireles. No Festival Internacional de Música Contemporânea, apresentou o Concerto para Piano e Orquestra do compositor colombiano Blas Atheortua. Seu repertório de concerto era gigantesco, e, em uma consulta ao livro "Memórias de um teatro - Sessenta anos de história do Theatro Municipal do Rio de Janeiro" (1971) de Chaves Jr., pudemos listar as seguintes peças que ela tocou no TMRJ: Concertos No.1 e No.5 de Prokofieff (cuja estreia brasileira foi feita por ela, sob regência de Eleazar de Carvalho), Marlos Nobre - Sonâncias, Ravel - Concerto em sol, Concerto para a mão esquerda e Miroirs, Schumann - Concerto, Estudos sinfônicos e Carnaval, Saint-Saëns - Concerto No.4, César Franck - Prelúdio Coral e Fuga, Beethoven - Concerto No.4 e Sonatas Op.53 e Op.57, Liszt - Concerto No.1, Estudo transcendental No.5 'Feux follets' e La Campanella, Barber - Sonata, além de peças de Scarlatti, Corelli, Rachmaninoff, Scriabin, Chopin, José Siqueira, Lorenzo Fernandez, Francisco Mignone e Villa-Lobos, algumas das quais apresentou em primeira audição mundial ou brasileira. Também estudou com os próprios compositores as Saudades do Brasil de Darius Milhaud, e as Variações de Copland. 

Alguns de seus alunos foram: Patrícia Bretas, Josiane Kevorkian, Marcelo de Alvarenga, Ruth Serrão, e Cristiano Vogas. Pouquíssimas gravações existem de Maria da Penha, e vamos postá-las a seguir. Ouçam aqui sua brilhante execução da Sonata No.1 de Francisco Mignone. https://www.youtube.com/watch?v=8n1ug9gWvIg